Nunca é tarde demais para se retomar um projeto parado. Smile nada mais é do que uma obra-prima dos Beach Boys lançada no nome do mentor do grupo californiano, Brian Wilson, o gênio que na metade dos anos 1960, chegou a ser maior que os Beatles. Assim como o mito da morte de Paul McCartney, Smile fazia parte desses mitos que nunca seriam solucionados. Um mito a menos na lista.
Dentro de Smile, um álbum que foi gravado há 37 anos atrás e que fora concluído apenas em junho desse ano, contém tudo o que os Beach Boys fizeram de melhor desde a obra-prima Pet Sounds, de 1966, e Wild Honey, de 1968 – coros vocais mágicos dos três membros remanescentes do grupo californiano, mas que ainda os tornam fascinantes e clássicos, como nenhuma outra banda conseguiu fazer igual. Wilson colocou tudo o que você possa imaginar em termos de quantidade. Existe aquela frase que "quantidade não é qualidade". Smile é retoricamente o oposto desta frase. Neste caso, a "quantidade" de canções elaboradas com orgulho e carinho é a "qualidade", que nos faz voltar à aqueles tempos de dúvidas que foram os anos 1960. Algo bastante raro acontece aqui: desde muito tempo, entre idas e vindas, os Beach Boys sempre se mantiveram entre os holofotes em alguma maneira. Mesmo sem lançar um single sequer, eles ainda permanecem no inconsciente de todo o fã de música. Com tanta novidade aparecendo, eles ainda são lembrados, assim como Bob Dylan, os Beatles e os Rolling Stones. O grande mito na qual envolveu Smile durante todas estas décadas, ajudou bastante para que Brian Wilson, depois de muito tempo largado na escuridão da sua falta de inspiração, voltasse para mostrar ao mundo que ainda tinha as condições possíveis – de sobra – para seguir em frente e concluir algo que ele estava relutantemente a terminar. Puta merda, Brian Wilson.
Comparando com os grandes trabalhos já citados, Smile é líricamente charmosa e poeticamente cativante. Em "Heroin and Villains", Wilson canta: "I've been in this town so long that back in the city/I've been taken for lost and gone/And unknown for a long long time" ("Eu estive nessa cidade tanto que voltei para a cidade/Fui tomado por idas e perdidas/E desconhecido por um longo tempo"). Esta faixa, segunda do disco, simplesmente demonstra um certo humor engraçado, com coro vocal poderoso – cantado por Scott Bennett, Nelson Bragg, Jeffrey Foskett e Probyn Gregory – e revelando a lembrança dos velhos tempos de verão do amor, mas Wilson vai mais profundo. "Heroes and villains, just see what you've done" ("Heróis e vilões, basta ver o que você fez"), cantarola Wilson, em um momento de revelação filosófica, aliviado por ter terminado este trabalho ambicioso. Musicalmente falando, o foco em "Heroes and Villains" ainda é alegre, irônica e arrepiante, mostrando que é tão destaque quanto "Good Vibrations".
Em seu geral, Smile possui o que todo disco dos anos 1960 detém: músicas de melodias doces e impressionantes, faixas curtas com aprovação popular já vista em outros tempos, e vozes delicadamente gravadas e prontas para entrarem em seus ouvidos e grudarem definitivamente em suas cabeças. Todo o conteúdo sonoro do álbum – que se tornou um mito há quatro décadas atrás – simplesmente são objetos musicais de uso que foram esquecidos conforme o tempo foi passando. Esta característica – que definiu o grupo de Brian Wilson, Mike Love e Tony Asher – esforçadamente foi resgatado pelo Queen nos anos 1970, juntando as vozes dos quatro integrantes. A única diferença era que a pomposa banda britânica surgida em 1971 usou uma abordagem mais art-rock, misturando estilos ambiciosos e até arrogantes para dentro do rock & roll. É influência pura. Comparando entre termos, "Wouldn't It Be Nice" – a faixa que abre históricamente o tão perfeito Pet Sounds – representa muito bem o estilo grudento, mas inocente dos Beach Boys em 1966. Duvido alguém juntar estes fatores vocais e sonoros para fazer um disco hoje, em pleno século 21. Smile é divertido também, da mesma forma que sabe ser ao estilo vaudeville ("Wild Chimes"), cativante ("Heroes and Villains"), engraçado ("Mrs. O'Learys Cow") e historicamente revolucionária ("Good Vibrations").
Dentro de um ritmo que marcou a década do caos, "Good Vibrations" continua sendo o ponto principal de Smile, mesmo fazendo parte do álbum Smiley Smile, de 1967 – o material que foi lançado e o trabalho deste trabalho significativo ficou arquivado durante todo esse tempo. Com aquele groove inicial e a entrada inesquecível de Wilson nas primeiras linhas – "I... I Love the colorful clothes she wars/And the way the sunlight plays upon her hair/I hear the sound of a gentle word/On the wind that lifts her perfume through the air" ("Eu… Eu adoro o colorido das roupas que ela usa/E a maneira como a luz do sol brinca com seu cabelo/Eu ouço o som de uma palavra gentil/No vento que levanta o seu perfume no ar") – a profundidade da melodia vai aumentando níveis de impressionismo surpreendentes, levando tudo ao clímax prazeroso que foge de toda a naturalidade. No refrão de uma das maiores canções de todos os tempos, Wilson canta juntamente com o coro de Mike Love, Al Jardine, Bruce Johnston, Carl e Dennis Wilson – "I'm pickin' up good vibrations/She's giving me excitations" ("Eu estou buscando novas sensações/Ela está me excitando") – de forma sensual a letra de conotação para maiores, trazendo um ritmo que por si só já é de conteúdo destacadamente erótico, como se fosse sublimemente concebido para ser a maior de todos os tempos. É mais um daqueles exemplos malucos de como uma música pode sobreviver tanto tempo e ainda ser bastante lembrada e ouvida pelos jovens de hoje, não importa a época. Ao mesmo tempo que isso me parece bastante surpreendente, também não deixa de ser memorável.
Respectivamente, Brian Wilson enfim terminou este trabalho grandiosamente ambicioso, na qual tivemos sorte de estarmos vivos para pegar esta maravilha em mãos e avaliar. Como foi o resultado? O mesmo alcançado em Pet Sounds, o mesmo que no doce disco Wild Honey, com as mesmas características que marcaram este grupo americano – a primeira banda de rock dos Estados Unidos – e enfiltraram inúmeros singles nas paradas da época. Certamente, o que prevalece é "Good Vibrations", mas não podemos subestimar esta obra-prima dos Beach Boys. É isso que torna Smile misterioso depois de todos esses anos. Agora conhecemos a verdadeira cara de Brian Wilson e os Beach Boys.
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