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‘Crimes of the Future’ é a volta de David Cronenberg ao filme de terror corporal, sexual e bizarro

Por Leonardo Pereira

David Cronenberg gosta de um suspense violento. O cineasta canadense é mestre neste tipo de filmes e não consegui me recuperar de seu último grande filme, o polêmico Marcas da Violência (2005), que trazia na manga toda a brutalidade de uma dívida de um homem que tenta se livrar da máfia para salvar o seu negócio — um restaurante familiar. Comparando, o clássico de Cronenberg não é nada semelhante a Crimes of the Future, o filme de ficção científica que estreiou no Festival de Cannes e chocou o público em seus primeiros 30 minutos. O filme, que mistura sexo, autópsia e um pouco de tecnologia bizarra — e muita violência — é uma volta de Cronenberg aos holofotes desde seu último filme, Mapa para as Estrelas, lançado em 2014. 

Um homem está deitado em uma cama. É mais como um casulo que drena energia. Ele se contorce de dor. Esse homem é Viggo Mortensen. “Eu acho que a cama precisa de um novo software”, diz ele, rosnando para sua companheira, que está ajustando as extensões de borracha que alimentam suas mãos. “Não está mais antecipando minha dor”. Estes tipos de cenas não muito claras estão aqui como um mistério, uma vez que Crimes of the Future não é apenas o primeiro filme do canadense em oito anos (e um concorrente para o maior cineasta de terror contemporâneo vivo); é um retorno ao gênero pegajoso e grudento que fez de Cronenberg um ícone do cinema e uma sensação internacional. Pela forma como o terror de ficção científica duplica o fator de dificuldade, ele também tenta compensar muito tempo perdido de uma só vez.

No filme, notamos um novo tipo de arte: A mutilação da arte performática. É nela que Saul Tenzer (Mortensen) faz de si um "artista". Ele é conhecido por cultivar seus próprios órgãos internos excêntricos, que ele e sua parceira, uma ex-cirurgiã de trauma chamado Caprice (Léa Seydoux), extraem ao vivo para um público adorador. A dor evoluiu, ou involuiu, a partir da experiência humana, exceto nos sonhos. As pessoas agora se divertem vendo a mutação, o aço se encontrando com o tecido, a destruição carnuda rebatizada como um show de geeks geneticamente superior e de alta arte. “A cirurgia é o novo sexo!”, exclama Timlin — interpretada por Kristen Stewart, canalizando uma fã extrema em uma sinfonia de uma mulher — uma funcionária da Região Nacional de Órgãos que quer se juntar ao evento. Então, ela tenta seduzir essa superestrela pós-moderno. Mas ele contesta: “Eu não sou tão bom no sexo antigo”.

Há também um cara nervoso chamado Lang (Scott Speedman) querendo fazer uma proposta para Saul e Caprice. Ele quer que eles façam uma autópsia ao vivo em seu filho morto. Se fizerem isso, correm o risco de enfurecer os policiais da “Nova Unidade de Vice”, que está segurando a assassina — a mãe do menino — e se tornar fora da lei. Mas eles também podem ajudar a avançar uma agenda estabelecida pelo misterioso movimento subterrâneo de Lang e torná-los parte de um pequeno passo para o homem, um gigantesco salto evolutivo para a humanidade. Esse é o motor sob a superfície escorregadia e viscosa do filme, e se você ouvir com atenção o suficiente, podemos notar os murmúrios fracos de um suspense ecológico e um golpe satírico na indústria de celebridades da atualidade.

Crimes of the Future é, na realidade, mais um filme espiritual sobre o tema do que aquele com o qual compartilha seu nome, até a mistura específica entre sexo, violência e brincadeira, e um clímax que não termina com o longa-metragem, mas o traz a uma parada abrupta, oscilando entre doses de epifania ou de compreensão básica. A certa altura, um detetive que torce por atos ilegais dentro do circuito de cortes e respingos de sangue, pergunta a Tenzer qual é o problema com estas coisas. “O que estou dizendo com essa coisa de ‘arte corporal’ é que eu particularmente não gosto do que está acontecendo com o corpo”, ele responde. Mais subtemas são acrescentados no filme, como questões existenciais de morte, beleza e a relatividade entre fama e desejo, que são abordados constantemente por Cronenberg. 

É difícil não ficar surpreso e impressionado com o choque, e a pura admiração pela maneira como ele fez uma pirueta de volta a um subgênero pegajoso e doentio do qual todos pensavam que ele havia “evoluído”. Com tantos filmes do mesmo gênero sendo produzidos, poucos se salvam. Ou talvez nenhum. No entanto, é claro o avanço de qualidade da narrativa, ao mesmo tempo que Cronenberg nos guie para um caminho sem volta em relação ao significado de subversão entre o humano e a tecnologia artificial. Subverta a palavra horror pela arte, e você tem uma declaração do diretor em poucas palavras. Vindo de alguém tão veterano e experiente como Cronenberg, era de esperar o resultado. Assim é o trabalho de um cineasta visionário.

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